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Uma grande área, de aproximadamente 300 hectares, perfeitamente retangular, queimou em agosto deste ano. A zona foi desmatada ilegalmente apenas um mês antes, em julho, na Floresta Nacional (Flona) de Altamira, no Pará. Esse caso não é isolado: levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) revela que 75% dos focos de calor detectados na bacia do Xingu neste ano incidem em áreas desmatadas recentemente, entre 2018 e 2020.
Localizada entre o Pará e Mato Grosso, a bacia é um dos epicentros de incêndios ilegais. Ali, mais de 162 mil focos de calor foram detectados entre janeiro e outubro, com um pico de 84 mil focos em setembro — um aumento de 110% em relação ao mesmo mês do ano passado.
“À revelia da atuação do exército e da moratória que proíbe o uso do fogo vemos os números de focos de calor aumentando e atingindo áreas desmatadas muito recentemente. É sabido que as queimadas facilitam a conversão de grandes áreas em pastagens, então fica evidente que o fogo está sendo usado para desmatar e grilar terras”, comentou Ricardo Abad, especialista em sensoriamento remoto do ISA.
A relação entre queimadas e desmatamentos recentes fica patente ao se observar os anos anteriores. Em 2019, por exemplo, 44% do total de focos de calor registrados na bacia do Xingu naquele ano aconteceram em agosto, mês do “Dia do Fogo”, quando fazendeiros atearam fogo em regiões no entorno da BR-163 em apoio a Bolsonaro. Desse total, quase metade, 48%, coincide com áreas desmatadas nos dois meses anteriores, entre junho e julho.
Já em 2018, agosto e setembro também concentraram altos índices de focos de calor em áreas desmatadas poucos meses antes, em junho, 35% e 24,7% respectivamente. Neste mesmo ano, outro fenômeno chamou atenção: no período eleitoral altas porcentagens de focos de calor foram detectadas em áreas desmatadas no mesmo mês. Em outubro, 23,4% dos focos ocorreram em áreas desmatadas ainda em outubro, fato que se repetiu em novembro, quando 45,3% dos focos corresponderam a aberturas realizadas no período.
Em 2020, 69,6% dos focos de calor aconteceram em agosto, e desse total, a maior parte coincide com áreas desmatadas em maio (17%) e abril (21%). Contrariando a tendência dos anos anteriores, o desmatamento começou meses antes, ainda em abril, “e se continuar nessa mesma toada, tudo indica que o estrago será maior”, ponderou Abad.
Apenas no primeiro semestre deste ano foram desmatados mais de 3 mil km2 na Amazônia Legal, 26% a mais do que no mesmo período do ano passado. Esse é o pior resultado do primeiro semestre nos últimos cinco anos, que já foram anos de desmatamento crescente na região.
Até a primeira semana de outubro foram detectados 212 mil km2 de queimadas na região, uma área maior que a do estado do Paraná, segundo o painel para a Amazônia do Global Fires Emission Database (GFED). Aproximadamente 90% dessa área foi queimada entre agosto e o início de outubro. Setembro foi o mês campeão, com 98 mil km2 de queimadas registrados, e já na primeira semana de outubro foram registrados 69 mil km2 de novas áreas queimadas.
De um total de 134.449 eventos de queimada mapeados pelo painel, 57% aconteceram no bioma amazônico, áreas de floresta que um dia já foram úmidas o suficiente para resistir a incêndios, mas que vêm sofrendo com queimadas criminosas. Segundo o painel, 34% das queimadas registradas entre janeiro e a primeira semana de outubro são relacionadas diretamente com o desmatamento no bioma amazônico
Um outro tipo de queimada também preocupa. São as queimas de sub-bosque, um tipo de incêndio que penetra na floresta, deixando um rastro de queimadas impossível de ser visto à distância. Essas queimas, embora tenham somado 2% das ocorrências totais de incêndios, foram responsáveis por 17% do total de áreas queimadas na Amazônia Legal. O fogo que consome a floresta por baixo pode ter origem em outros incêndios, como um foco que escapa e atinge a floresta seca, principalmente nas bordas de áreas já desmatadas.
Estudo lançado pelo ISA revelou que a temporada das queimadas criminosas na Amazônia em 2019 coincidiu com um aumento de 25% das internações por problemas respiratórios das populações locais, cenário que pode piorar em 2020 com a pandemia de Covid-19.
O levantamento mostrou maiores taxas de internação na região conhecida como o arco do desmatamento. Em Novo Progresso (PA), palco do chamado “Dia do Fogo”, a concentração dessas partículas oriundas da fumaça chegou a 23 vezes mais do que o recomendado pela OMS dois dias após o chamado “Dia do Fogo”.
As internações acima da média estão localizadas no oeste de Rondônia e Mato Grosso, em municípios como Marcelândia, no Mato Grosso, São Félix do Xingu e Novo Progresso, no Pará, Grajaú e Jenipapo dos Vieiras, no Maranhão Manaus, no Amazonas, Mucajaí, em Roraima, e Cruzeiro do Sul, no Acre.
Uma área de quase 300 hectares foi desmatada ilegalmente em maio de 2020 na borda sul da Floresta Nacional (Flona) de Altamira, no Pará. Bem ao lado, em julho, imagens de satélite detectaram uma forma similar, retangular, de novas áreas desmatadas. No mês seguinte, em agosto, essas áreas foram queimadas para consolidar a ocupação ilegal.
Apenas entre janeiro e agosto deste ano, 4,2 mil hectares foram desmatados na Flona, o equivalente a 97,7 % de todo o desmatamento do ano passado. Grilagem e garimpo ilegal explicam o avanço da pressão sobre a área, que está na região de influência da BR-163.
Cerca de 29% dos 2,3 mil focos de calor detectados ocorreram em áreas desmatadas ainda neste ano. O maior número de focos de calor, 184, aconteceu em agosto e coincidiu com áreas desmatadas em junho.
Focos de calor dentro de Áreas Protegidas também podem ser indicadores de atividades ilegais.
Na Estação Ecológica (Esec) Terra do Meio, também no Pará, os focos registrados em agosto e setembro indicam um ramal ativo e em expansão. A região possui quatro frentes de invasão com origem na Unidade de Conservação vizinha, a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo Xingu, campeã de desmatamento na Amazônia no último ano.
A estrada, que tem origem na APA, já chega perigosamente perto do rio Iriri em três frentes, e caso consiga transpor o rio e chegar até a BR-163, cortará a conetividade do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, região com 21 Terras Indígenas e 9 Unidades de Conservação entre o Pará e Mato Grosso.
Dos quase 1,5 mil focos de calor detectados neste ano na Esec, cerca de 32% correspondem a áreas desmatadas ainda neste ano.
A região da BR-163, em uma região a cerca de 100 km ao sul de Novo Progresso, concentra a maior área desmatada em 2020, são 14.819 hectares desmatados no período. Desse total, apenas 6.290 ha. (42%) incidem em áreas com registro de CAR.
A totalidade dessas áreas desmatadas pegou fogo entre setembro e agosto. “O uso do fogo em áreas desmatadas sem registro de CAR indica um processo de grilagem e invasão. Essa ofensiva demonstra uma intenção de burlar os sistemas de monitoramento”, comentou Abad.
Apenas nessa região, entre janeiro e setembro, foram detectados mais de 2 mil focos de calor que incidiram diretamente sobre áreas recém desmatadas neste ano. Quase a totalidade dos focos, 99%, ocorreram em agosto.