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O ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, sugeriu que o licenciamento da pavimentação da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) deve ser convencional, e não simplificado. A obra é uma das mais controversas do país e uma das prioridades do governo Bolsonaro. A estrada ameaça ampliar o desmatamento num dos trechos mais preservados da Amazônia, fragmentando a floresta e produzindo impactos ambientais negativos de grande escala.
“A [BR] 319 vamos fazer no rito ordinário!”, disse. “Em momento nenhum estamos querendo usar o casuísmo: ‘vamos alterar a legislação para licenciar a BR-319’. Falso”, argumentou, em audiência sobre a proposta de Lei Geral de Licenciamento na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, na tarde de ontem (8).
As afirmações vão contra uma das propostas mais polêmicas da última versão do relatório do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) sobre a nova legislação. Ela prevê uma licença simplificada, autodeclaratória, no modelo de Adesão e Compromisso (LAC), para a ampliação e asfaltamento de rodovias. A ideia desconsidera que as estradas produzem “significativo impacto” ambiental e são reconhecidas como um dos principais vetores da destruição da floresta. O relatório voltou a ser duramente condenado na audiência pelos parlamentares ambientalistas.
A fala de Freitas coloca em dúvida qual será a posição do governo, pelo menos nesse ponto específico, na votação do projeto de lei sobre o assunto, que pode acontecer no plenário da Câmara, até o fim do ano. A reportagem do ISA tentou esclarecer a questão com o ministro ao final do evento, mas ele disse que tinha um compromisso e que não poderia falar.
A deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS), que fez o pedido de realização da reunião, questionou Freitas se ele defende a mudança da lei para facilitar o asfaltamento da BR-319, após não conseguir realizar estudos ambientais consistentes sobre ela, enquanto dirigiu o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), entre 2011 e 2015. O DNIT é o responsável pelos levantamentos.
A parlamentar lembrou que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do projeto foi devolvido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) por estar incompleto, em 2007, mas que o DNIT nunca mais pronunciou-se. “O senhor não acha uma irresponsabilidade colocar a culpa pela morosidade do licenciamento no Ibama, ao invés de no DNIT?”, indagou.
O ministro informou que sua pasta contratou um novo EIA-Rima e que ele ainda não foi apresentado, por não não estar “em condições de ser submetido ao órgão ambiental”, mas que pretende fazê-lo em breve.
No início da audiência, Freitas defendeu que o governo Bolsonaro está comprometido com a sustentabilidade. Melchiona disse que a fala era “antagônica” à defesa do relatório de Kataguiri. Junto com outros deputados, ela avaliou que o parecer transforma o licenciamento em exceção. “O senhor ou o ministério estavam defendendo a quarta versão do relatório, que aprofunda a crise ambiental que o país vive”, criticou.
O Ministério de Infraestrutura fez várias sugestões que foram acatadas por Kataguiri e vem defendendo seu trabalho, mas Freitas tentou não se comprometer com ele na audiência. “Não estamos apegados a versão nenhuma, apoiando versão ‘a’, ‘b’ ou ‘c’. Estamos apegados ao conceito. Queremos uma boa proposta de projeto de lei, que traga um licenciamento que seja efetivo, célere e produza resultados”, salientou.
O próprio Kataguiri reconheceu que a dispensa de licenciamento em alguns casos, ideia incluída em seu parecer, foi uma das sugestões da pasta. “O ministro Tarcísio não é o relator do projeto, não foi ele quem o escreveu. Aliás, temos divergências entre nós em relação ao projeto. Tanto que a dispensa inicial para melhoria, manutenção e modernização [de obras], que era uma demanda da Infraestrutura, nós construímos aqui com diálogo”, comentou.
“O que está em discussão é se as obras serão licenciadas nos termos da legislação ou se haverá dispensa de licenciamento, podendo ainda haver licenciamento autodeclaratório, o que é questionável para obras dessa magnitude”, avalia o consultor jurídico do ISA Maurício Guetta. “Parecem desconhecer que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a dispensa de licenciamento. Se efetivada a alteração, o STF certamente será acionado, podendo atrasar a implementação das obras, ao invés de acelerá-la”, alerta.
A ida do titular da pasta da Infraestrutura à Câmara acontece poucos dias depois do jornal Folha de São Paulo noticiar que o governo discute internamente uma proposta de regulamentação da consulta a comunidades indígenas e tradicionais sobre medidas que as afetem, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil e incorporada à legislação nacional. Documento obtido pelo jornal indica que a ideia é contestar a forma pela qual as oitivas são aplicadas no país. A reportagem sugere que não estaria descartada a possibilidade da gestão Bolsonaro “denunciar” a convenção, ou seja, solicitar formalmente deixar de segui-la (leia aqui). Na audiência na Câmara, Freitas foi questionado sobre o assunto. Ele disse que irá respeitar o direito à consulta.