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Reportagem e edição: Oswaldo Braga de Souza
Texto atualizado em 10/11/2021, ás 14:48
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais defensoras de Jair Bolsonaro no Congresso, quer transferir dinheiro do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) para obras e pesquisas de geração de energias renováveis, o que poderá beneficiar grandes empresas do setor elétrico. A deputada é a relatora do Projeto de Lei (PL) nº 2.405/2021, que altera a legislação que regula o fundo. Zambelli também é presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
O regime de urgência da proposta foi incluído na pauta do plenário da Câmara. Se for aprovado, o projeto pode ser apreciado em seguida.
O texto original do autor, deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), acrescenta mais duas prioridades de setores elegíveis para financiamento do fundo, além das oito já existentes na legislação hoje: “pesquisa e desenvolvimento em fontes de energia limpa e renovável” e “expansão da geração energética a partir das matrizes fotovoltaica e eólica”. No primeiro caso, caberiam incentivos a novas hidrelétricas com turbinas “a fio d'água" ou mesmo as tradicionais, além de outras fontes. No segundo caso, o relatório de Zambelli ampliou o alcance para as fontes de biomassa e biogás.
Hoje, conforme a lei, são consideradas prioritárias verbas para: “I - Unidade de Conservação; II - Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico; III - Educação Ambiental; IV - Manejo e Extensão Florestal; V - Desenvolvimento Institucional; VI - Controle Ambiental; VII - Aproveitamento Econômico Racional e Sustentável da Flora e Fauna Nativas; VIII - recuperação de áreas degradadas por acidentes ou desastres ambientais.”
“Hoje, investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico relacionados aos objetivos e preceitos da Política Nacional de Meio Ambiente já estão contemplados na Lei 7.797/89, que criou o FNMA. O projeto em discussão na Câmara, no entanto, objetiva ressaltar os investimentos em pesquisa e geração energética, com escopo tão amplo que beneficiaria até hidrelétricas de grande porte”, explica o assessor legislativo do ISA Kenzo Jucá Ferreira.
De acordo com ele, nos dois casos previstos pelo PL, investimentos deveriam ser realizados pelos fundos existentes no setor energético, e não para monopolizar os recursos escassos e contingenciados da política ambiental.
A votação do PL 2.405/2021 pode acontecer em meio à 26ª Conferência das Partes (COP-26) sobre Mudanças Climáticas da ONU, que está acontecendo em Glasgow, na Escócia. Por meio de discursos de autoridades, a adesão a declarações e anúncios de medidas genéricas, a administração Bolsonaro tem tentado usar o evento para passar ao mundo a imagem de que está comprometida com a defesa do meio ambiente, embora tenha levado o país às maiores taxas de desmatamento em 12 anos e ao desmonte das políticas ambientais. No Congresso, a base governista tenta aprovar projetos com o mesmo objetivo. Ambientalistas classificam as iniciativas de greenwashing, expressão inglesa que significa propaganda ambiental enganosa.
O PL é coerente com uma das linhas desse desmonte: transferir dinheiro da área ambiental ao setor privado, como defendido pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Durante o tempo em que esteve à frente da pasta, ele tentou usar o dinheiro do Fundo Amazônia para indenizar proprietários rurais que tivessem áreas em Unidades de Conservação (UCs), por exemplo.
“A medida é inadequada e estranha, já que existem fundos da área de energia para essa finalidade, enquanto faltam recursos ao combate do desmatamento, incêndios florestais e fortalecimento dos órgãos ambientais. Seria tirar dinheiro de onde falta e colocar onde não se deve”, alerta Ferreira. "Desde 2018, os recursos do FNMA não estão sendo executados e o orçamento federal das outras oito áreas prioritárias para aplicações do dinheiro de que trata a lei vem sendo cortado. Ainda assim, pretendem incluir entre os possíveis beneficiados obras de geração de energia, executadas pelas construtoras do setor, o que exige volume bastante elevado de verbas”, continua.
“Se o projeto for aprovado, a execução dos recursos poderia até mesmo ser realizada sem os devidos componentes de transparência pública exigida em lei, caso sejam executados no modelo de emendas do 'orçamento secreto'", conclui.
"A inclusão de novas áreas para o uso dos recursos do FNMA necessita ser analisada, considerando o quadro histórico de baixas aplicações de recursos do Fundo. As leis orçamentárias em geral autorizam um teto muito baixo para o fundo”, avalia Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima (OC) e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Ela reforça que, mesmo que 20% das multas ambientais aplicadas pelos órgãos federais pagas legalmente sejam destinadas ao FNMA, o limite da autorização orçamentária para uso desses recursos é sempre baixo. “Nesse quadro, acrescentar mais temas para esses recursos significa dividir o muito pouco com mais gente. Uma equação questionável, mesmo que estejam em foco temas relevantes”, pondera.
“Proteção ambiental versus eficiência energética depende também do incremento de tecnologias e do aproveitamento cada vez maior de fontes que provoquem o mínimo de degradação ou poluição ao meio ambiente”, afirmou Carla Zambelli ao jornal O Estado de São Paulo. “É indispensável que o País ofereça mecanismos de financiamento para o fomento de infraestruturas que possam produzir energia de matrizes limpas”, defendeu.
Em fevereiro de 2020, a Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as mudanças feitas pela gestão federal na composição do fundo que excluíram a sociedade civil de seu conselho deliberativo. Em 2019, o governo Bolsonaro paralisou as operações, a exemplo do que fez com outros mecanismos semelhantes, como o Fundo Amazônia e o Fundo Clima. Desde 1990, o FNMA já financiou mais de 1.450 projetos, com investimentos da ordem de R$ 275 milhões.