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O mundo está com febre

Relatos de índios, quilombolas e extrativistas reunidos em Brasília mostram impactos das mudanças climáticas sobre a vida dos povos da floresta
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O fogo incontrolável. A árvore que não floresce, a fruta que seca no pé. O peixe sem alimento. O rio sem peixe. As enchentes invadindo as roças, afogando lavouras. As andorinhas que sempre anunciam a chegada das chuvas e, agora, desaparecem.

Se as mudanças climáticas afetam todo o planeta, sua percepção entre os povos da floresta é traduzida de maneira bastante particular. Ao contrário do cidadão que vive nas cidades - e que pode se orientar pelos ponteiros do relógio e encontrar no mercado do seu bairro local seguro para adquirir alimentos -, indígenas, extrativistas e quilombolas vivem em sintonia muito mais fina e delicada com a natureza: eles se regem pelas épocas de chuva e seca, por exemplo, quando é tempo de plantar ou de colher. De caçar ou de pescar. Portanto, estes povos sentem os impactos e consequências das alterações do clima em seu cotidiano de forma direta, imediata e muito mais aguda.

Essas percepções, inquietações e questões protagonizaram os relatos tecidos por cerca de 80 lideranças indígenas, quilombolas e extrativistas presentes no Encontro Florestas e Energia, realizado pelo Instituto Socioambiental em Brasília, na semana passada. O objetivo do encontro foi reunir estes representantes para compartilhar suas visões e desafios para, juntos, fortalecer estratégias de adaptação e enfrentamento das mudanças climáticas. “O desafio das alterações do clima faz com que a gente tenha que se reinventar e encontrar novas soluções”, aponta Adriana Ramos, coordenadora do ISA. “Juntar pessoas diferentes, com conhecimentos diferentes, para gerar novos conhecimentos, é a melhor forma de fazer isso”.

A oficina ainda contou com a participação de diversas organizações e especialistas, como Paulo Moutinho, do Ipam, Ricardo Baitelo, do Greenpeace Brasil, Sergio Leitão, do Instituto Escolhas, Fernando Prado, da Poli-USP, e Raquel Rosemberg, do Engajamundo. Incluiu a exibição do documentário Para onde foram as andorinhas?, lançado esta semana no festival Ecofalante de cinema ambiental, facilitação gráfica para resumir as falas e reflexões e grupos de trabalho para avançar na elaboração de propostas e estratégias futuras (veja abaixo os painéis produzidos). Os participantes ainda apresentaram projetos desenvolvidos em suas comunidades, como redes de coletores de semente no Xingu e no Vale do Ribeira, instalação de turbinas eólicas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e calendários indígenas para apresentar conhecimentos tradicionais sobre o uso de recursos naturais, entre outros. Diferentes aspectos destes projetos estão sendo postos à prova por conta das mudanças climáticas. Assista abaixo vídeo-resumo do evento:

"O mundo está com febre”, crava Maximiliano Menezes, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), ao falar das mudanças climáticas e suas catastróficas consequências. Além de apontar essa febre que pode matar a todos nós e a tudo que conhecemos, ele descreveu como a mudança do clima come a floresta por dentro.

A metáfora da febre é pertinente. O mundo, com febre, além de mais quente, está desordenado; seus processos biológicos, tal qual num acesso de altas temperaturas em um organismo vivo, estão comprometidos; as causas podem ser múltiplas e suas consequências, desconhecidas e incomensuráveis.

A combinação entre um calor que impede que as plantas tradicionalmente utilizadas sejam cultivadas com sucesso, que provoca grandes e inusitados incêndios e um calendário de chuvas confuso tem se traduzido em insegurança alimentar. “Quando falamos de comunidades distantes a dias de viagem do mais próximo centro urbano, as mudanças do clima geram exatamente isso: fome”, alerta Ligia Fernandes, da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Povos e comunidades adaptados à floresta, que vivem há centenas de anos tirando seu sustento da floresta, agora passam fome, no meio dessa mesma floresta. Mesma floresta?

Desmatamento, grandes obras de infraestrutura, como estradas e hidrelétricas, projetos de mineração comem a Amazônia pelas bordas. Mas os povos da floresta e suas experiências trágicas mostram que a floresta está sendo também comida por dentro. Informações provenientes desses povos se somam aos dados coletados pelos cientistas, tudo para mostrar que a floresta não é mais a mesma. As diferenças no clima fazem com que espécies desapareçam, como as andorinhas e as cigarras, e que outras, que ali não estavam, apareçam, como pragas que agora atacam as roças na floresta. Ciclos biológicos mudam, plantas florescem e frutificam em épocas diferentes, animais se reproduzem em outro ritmo.

“O clima não é mercadoria, assim como água, terra e direitos também não são”, diz Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). “O Brasil saiu com metas ambiciosas da COP de Paris e precisa implementar políticas para brecar o desmatamento e garantir os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, atores fundamentais para fortalecer a proteção das florestas e o equilíbrio climático”, completa.

Bruno Weis, Nurit Bensusan
ISA
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