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Conhecedora tradicional, professora, artesã, empreendedora, mãe de família. Depois de tratar a família contra a Covid-19 usando as plantas da medicina caseira, Cecília Barbosa Albuquerque, da etnia Piratapuya, vem promovendo a partilha desse conhecimento. Nascida no distrito de Iauaretê, em São Gabriel da Cachoeira, cidade no Amazonas cercada de floresta e comunidades indígenas, ela carrega consigo essa sabedoria. “Tudo que eu sei eu vou passar para o outro. O que eu sei, vou ensinar, como usar, como que faz”, disse.
Cecília é uma das fundadoras da Associação dos Artesãos Indígenas de São Gabriel da Cachoeira (Assai) e aproveitou o período da pandemia, quando a agenda de viagens para feiras foi suspensa, para propor que as artesãs e artesãos mostrassem as plantas utilizadas para protegerem suas famílias da Covid-19. Eles concordaram em promover a troca de saberes usados há gerações, mas ganharam uma nova força durante a pandemia.
E para desenvolver esse tratamento indígena contra a Covid-19, a atuação da mulher foi primordial. Cecília explica que o conhecimento sobre a planta quem traz é o homem, mas é a mulher quem cuida, troca as informações e procura saber como usar. Leia abaixo trechos da conversa feita com dona Cecília, que convidou o Instituto Socioambiental (ISA) para participar de uma atividade de intercâmbio de saberes sobre os remédios indígenas usados na pandemia na Assai.
Essa oficina de plantas medicinais a gente resolveu de fazer porque temos o apoio do projeto Fundo Casa Socioambiental. Não estava escrita essa oficina, pois era mais para a gente viajar e participar de feiras fora de São Gabriel. Como veio a pandemia, tudo atrapalhou. Quem apoia o projeto pediu para fazermos o replanejamento, mudar objetivo, colocar outras atividades. Eu pensei: já que estamos nesse período de doença, muita gente usou plantas medicinais. Vamos aproveitar e fazer essa oficina de troca de conhecimentos. Cada um de nós usa cada planta de uma forma diferente. Por exemplo, folha de corama (pirarucu) serve para muita coisa. Teve gente que não sabia que servia para câncer. Temos muita experiência e decidimos colocá-la em prática. A gente pensou também, se tiver casca, secar, participar de feiras e vender também. A maioria das artesãs que estava quando a gente sentou para refazer as atividades concordou. E também queremos produzir uma apostila sobre esses remédios para compartilhar o conhecimento.
Todos nós, em suas famílias, usou um tipo de remédio. Então, cada qual deveria trazer o que foi preparado na sua casa. Vamos trazer, mostrar o que nós usamos. Depois tem que falar como prepararam.
Muitas das vezes é assim:. a gente tem todas essas plantas, mas a gente não sabia quais usar para essa doença, o Covid. Então quem conhece das plantas e ficou doente, começou a preparar receitas e foi compartilhando no WhatsApp. Outras plantas a gente usou em doenças de muito tempo. Por exemplo, mastruz, capim-santo: se servem para outras doenças, gripes, essas coisas, serve para coronavírus, que é uma gripe também. Então a gente foi testando. E deu certo para nós.
Sim. Em geral criança e adolescente não estão nem aí para a doença. Quando tem mais velho em casa, é ele que prepara e distribui o chá. Eu e minha irmã somos vizinhas. Eu preparo o meu chá, ela faz o dela. A gente troca. Nesse chá também acompanha o benzimento para cercar, quando se chama proteção para não piorar.
Chá e benzimento. Tem a vaporização também. A gente cozinha, faz chá, tira a tampa e a pessoa cheira o vapor que sobe. E depois coa e dá para a pessoa tomar. O chá que que a gente toma dura dois dias. Depois joga fora e prepara outro.
Pode sim. Nós lá em casa tentamos usar paracetamol para diminuir a febre.
Maioria foi planta medicinal. Eu fiquei triste porque dois parentes meus de etnia faleceram. Porque não tomaram chá. Fui contra o que os médicos falam: fazer teste só quando tiver falta de ar. Poxa, quando falta ar ele já está é morrendo.
Praticamente, já existia. O remédio caseiro a gente já usava. Só que veio fortalecer mais esse conhecimento. O chá que a gente usava para gripe tinha mastruz, mucuracá, alho, essas coisas. Ali a gente incluiu a folha de pirarucu e outras plantas. Fomos aperfeiçoando o nosso chá.
Na minha família, por exemplo, muita gente teve. Quem não toma chá, vai parar no hospital. A gente vê que deu resultado porque é como se fosse gripe. Não dá tosse, febre durante um dia e vai passando. A gente sentiu falta de gosto na alimentação, quando falaram que esse era um dos sintomas. Então a gente já sabia que era isso que a gente já tinha pegado. A gente não fez testes. Minha irmã, meu cunhado foram fazer teste e deu positivo. Então a gente concluiu que pegou e curou.
Em família, a gente tem no quintal. A única coisa que peguei na floresta, na mata, foi a casa de taxi (formigas). A gente cozinha, faz chá e toma banho também. Algumas coisas tivemos que comprar. Soubemos do jambu nessa troca de informação. O jambu só lá na feira que tinha. Quem tinha passou a vender muito caro.
A gente tomava três vezes ao dia. De manhã, ao meio-dia e antes de dormir. Sempre quentinho. Agora já não estamos tomando mais.
Nessa pandemia a gente recorreu ao pajé foi para fechar o corpo. Não pegar e piorar.
Pelo que eu vi nessa oficina, teve mais assim: folha de pirarucu, jambu. Esses tiveram muita repetição. Mucuracá, alho, limão, mel. Mel entrou em todo chá. Mel a gente usa sempre pra gripe: limão, alho e mel. Toda família usou no chá deles.
Vou falar da minha família. Falaram assim: se na família pegar coronavírus tem que isolar no quarto separado. Isso nós não fizemos. Só benzimento já fechou o corpo para proteger. A gente tomou chá, não ficamos isolados, fazendo quarentena. Em outras casas talvez fizeram.
Esse cuidado nós tivemos. Cada um com seu copo. Tudo separado, prato, copo, colher.
Em casa, ninguém fez. Só mesmo chá. Na feira venderam muito xarope. O banho teve também. Para bebezinho a gente dava banho de folha de alho.
Nós temos pé de padu grande no quintal, mas usamos mais as outras coisas. O que eu não trouxe foi breu branco usado para defumação. O tabaco no cigarro é usado. Também vela indiana, pois criança não gosta de tabaco. Se na família tem alguém que saiba benzer, faz, fecha o corpo.
Não. Eu vou dizer que não. É mais dos homens. Eles que trazem para nós. Só que nós, mulheres, a gente se interessa mais, cuida mais da parte do conhecimento. Eles falam para nós, a gente vai passando para outras mulheres, as mulheres trocam, falam como fazem. Mas sem o trabalho da mulher não ia ter esse tratamento.