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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que as condicionantes fixadas na decisão de 2009 que reconheceu a demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol (RR) são válidas apenas para a área.
“[A decisão de 2009] não é vinculante em sentido técnico para juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas”, afirmou o relator dos sete embargos de declaração sobre as condicionantes, ministro Luiz Roberto Barroso, no resumo de seu voto, que foi aprovado por unanimidade.
Ele lembrou que a Corte já negou reclamações em outros casos que alegavam desrespeito à decisão tomada em 2009. Barroso ressalvou, no entanto, que ela “ostenta a força intelectual e persuasiva” do STF.
A figura do embargo tornou-se conhecida e polêmica recentemente, no caso do “Mensalão”, ao possibilitar uma rediscussão da pena de alguns dos acusados. Trata-se de um recurso que pretende esclarecer eventuais dúvidas, omissões ou contradições sobre uma sentença.
“Foi uma conquista importante porque o nosso receio é de que as condicionantes fossem aplicadas a todas as Terras Indígenas, embora sempre tenhamos defendido que ela não deveria valer nem para a Raposa Serra do Sol”, comentou, depois do julgamento, Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Ela também destacou como ponto positivo do voto de Barroso sua reafirmação da natureza “originária” do direito dos índios sobre suas terras, ou seja, o fato de que ele precede outros direitos e o próprio Estado nacional.
As 19 condicionantes, formuladas em 2009 num voto em separado do ministro do STF Menezes Direito, estabeleciam uma série de restrições aos direitos indígenas sobre a TI Raposa Serra do Sol. Entre outras dúvidas questionadas nos embargos de declaração que foram julgados ontem, a principal era sobre a abrangência das condicionantes, se valeriam ou não para o conjunto das terras indígenas.
Em seu voto, Barroso rejeitou grande parte dos embargos, mantendo, assim, a validade das 19 condicionantes – apenas para a TI Raposa Serrado Sol – e aceitando outros parcialmente para esclarecer aspectos de algumas delas.
Dos sete ministros presentes, só o presidente Joaquim Barbosa e Marco Aurélio discordaram da posição de Barroso e defenderam a aceitação dos embargos por considerarem que o STF extrapolou suas funções ao fixar as 19 condicionantes.
Portaria 303
O ministro Teori Zavascki concordou com o princípio geral de que a decisão não tem caráter “vinculante”, mas defendeu que ela poderia ser usada como uma “orientação geral” para as ações do Estado sobre o assunto.
O voto de Zavascki era a senha esperada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Apesar da opinião de Barroso ter prevalecido, Adams informou à imprensa, logo depois do julgamento, que deverá reeditar a Portaria 303/2012, atualmente suspensa. A título de orientar os advogados públicos em todo país em processos judiciais, ela pretende estender as condicionantes aos processos de demarcação de TIs em geral.
Segundo a assessoria da Advocacia-geral da União, o órgão aguarda a publicação oficial da decisão do STF, mas, ao que tudo indica, Adams usará os argumentos de Zavascki para fundamentar uma nova portaria, aplicando ressalvas feitas especificamente para o caso Raposa para outras terras país afora.
“Nós avaliamos que a portaria perde a validade, se ele [Adams] cumprir a palavra. Ele dizia que a portaria dependeria do resultado do julgamento das condicionantes”, lembrou Sônia. Outra portaria publicada pelo advogado-geral da União condicionou o destino da Portaria 303 ao julgamento de ontem.
A questão agora, que deverá suscitar diversas interpretações e polêmicas, é saber até que ponto a decisão de ontem limitará a margem de manobra de Adams.
Em seu voto, Barroso questionou e relativizou algumas das condicionantes. Por exemplo, concordou com a diretriz de que instalações e intervenções militares podem ser feitas sem consulta prévia às comunidades indígenas. Ele deixou claro, no entanto, que esse tipo de atividade não pode ser confundido, por exemplo, com a implantação de estradas, ou seja, para esse tipo de empreendimento os índios devem ser consultados obrigatoriamente.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, determina que qualquer medida que afete os territórios indígenas precisa de uma consulta prévia das comunidades impactadas.
Em outro trecho de seu voto, Barroso afirmou que o garimpo com finalidades não comerciais também pode ser empreendido pelos índios em suas terras. Uma das 19 condicionantes proibia a atividade nessas áreas.