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A ameaça contra o licenciamento ambiental continua. Os ruralistas seguem pressionando para aprovar, no Congresso, o parecer do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) sobre Projeto de Lei (PL) 3.729/2004, que praticamente desmonta o sistema de licenciamento existente no país hoje. Parlamentares ruralistas e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), insistem que haveria acordo para votar a proposta.
O ISA e dezenas de outras organizações, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no entanto, já se manifestaram contra o projeto, deixando claro que não há entendimento em torno dele (leia aqui). O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), fez o mesmo. O Ministério Público Federal (MPF) também é contra o relatório de Pereira.
Em 2017, Maia prometeu que só colocaria a proposta em votação se houvesse acordo entre as duas partes. Pereira, no entanto, nega-se a discutir o projeto.
O ISA, o Greenpeace, o WWF, a SOS Mata Atlântica e a articulação #/Resista colocaram no ar uma plataforma para pressionar o presidente da Câmara a cumprir sua promessa e promover debates sobre o assunto. Acessando a plataforma, você pode enviar um e-mail para Rorigo Maia e assinar uma petição.
O enfraquecimento do licenciamento ambiental trará consequências negativas, graves e diretas na qualidade de vida e no dia a dia dos brasileiros. Seu enfraquecimento amplia o risco de desastres como o de Mariana (MG), em 2015, e Barcarena (PA), neste ano, por exemplo. De acordo com pesquisadores e ambientalistas, se aprovada, a proposta ruralista será o maior retrocesso da legislação ambiental em décadas.
O projeto isenta atividades agropecuárias do licenciamento, independente de seu impacto ambiental; permite a Estados e municípios decidirem sobre o grau de rigor do licenciamento, abrindo caminho a uma “guerra fiscal ambiental” entre eles para fragilizar as regras ambientais ao máximo com o objetivo de atrair empresas e empreendimentos; dificulta a participação e a consulta às populações afetadas, entre outros pontos.
“Um licenciamento ambiental forte, eficiente e participativo, além de garantir a proteção ambiental, reduz os custos dos empreendedores, evita judicialização e insegurança jurídica”, argumenta Maurício Guetta, advogado do ISA. “É fundamental que a comunidade científica, as populações afetadas, os movimentos sociais e toda a sociedade sejam ouvidos nessa discussão”, defende.
Para saber mais sobre o assunto, leia o box abaixo e reportagem do Observatório do Clima (OC).
De acordo com a legislação, o licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades econômicas que utilizam recursos ambientais e que são considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou que possam causar degradação ambiental.
O governo federal discute, desde 2016, sob a coordenação do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, um projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Representantes de empresários, organizações não governamentais e Ministério Público foram consultados informalmente sobre a proposta. Durante todo esse tempo, Sarney vem sofrendo pressões de dentro do governo, de ruralistas, da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para enfraquecer ao máximo o licenciamento. Recentemente, a bancada ruralista vem pressionando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a colocar em votação diretamente no plenário o relatório de Pereira.
1) Isenção do licenciamento para agropecuária
O projeto prevê a isenção de licenciamento para atividades agrícolas, de pecuária e silvicultura. Se aprovada, a proposta irá dispensar de licenciamento atividades que podem poluir e degradar, com possíveis impactos sobre a disponibilidade e a qualidade das fontes de água, por exemplo. Há, ainda, isenções para outras atividades impactantes, como a ampliação de estradas, importante vetor do desmatamento na Amazônia. Há pressões para incluir outros setores econômicos nessa dispensa generalizada. Outro dispositivo da proposta prevê a criação de uma lista, a ser elaborada pelos conselhos nacional e estaduais de meio ambiente, com todas as atividades que deverão ser licenciadas. Nesse caso, bastaria que uma atividade não seja listada para ser considerada dispensada de licenciamento. Estaria aberto o caminho para uma série de outras isenções. A dispensa de licenciamento para atividades agrossilvopastoris já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2001.
2) Restrição à participação de populações afetadas e órgãos de proteção do meio ambiente, populações indígenas e tradicionais
O lobby das grandes empresas e do agronegócio acha que o licenciamento não é espaço para a participação democrática. A proposta restringe drasticamente, a ponto de quase eliminar, a participação no licenciamento de populações afetadas pelos empreendimentos que devem ser licenciados e de órgãos de defesa do patrimônio cultural e histórico, do meio ambiente, dos direitos de comunidades indígenas e tradicionais. Populações atingidas só poderiam ser consultadas antes da concessão da Licença Prévia, o que escancara a desigualdade de tratamento entre elas e os empresários. O projeto não faz nenhuma referência específica à participação de comunidades indígenas e tradicionais no licenciamento, o que contraria a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, incorporada à nossa legislação e que exige que seja feita uma consulta a esses grupos sobre toda decisão e empreendimento que os afetem.
A proposta de Pereira prevê ainda que órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Cultural Palmares e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não teriam poder de vetar o licenciamento, ou seja, a licença poderia ser emitida mesmo se houver manifestação contrária dessas instituições. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra parques e reservas federais, só seria teria poder de veto em caso de “significativo impacto ambiental”.
A participação desses órgãos no licenciamento tem objetivo não apenas de fornecer subsídios técnicos sobre os impactos às populações e bens que eles devem proteger, mas também de garantir os direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, assim como a preservação do patrimônio histórico cultural e das unidades de conservação. A participação daquelas populações pretende atender seu direito básico de se fazer ouvir e influenciar a implantação de empreendimentos econômicos que as afetem.
Se a nova lei for aprovada nesses termos, corremos o risco de que o licenciamento de uma grande hidrelétrica, por exemplo, seja finalizado sem que seus impactos socioambientais sejam devidamente identificados, prevenidos, evitados, mitigados e compensados.
3) Permissão para que Estados e municípios possam enfraquecer licenciamento
Hoje, no Brasil, há uma “guerra fiscal” entre os Estados: eles disputam investimentos e empreendimentos reduzindo impostos e taxas ou concedendo subsídios. O projeto de lei de licenciamento abre caminho para que a mesma coisa aconteça na área ambiental. No caso, a disputa seria entre os governos estaduais que conseguissem oferecer regras de licenciamento menos rigorosas na proteção ao meio ambiente e a populações afetadas e mais vantajosas para as empresas. Isso permitiria que um mesmo projeto fosse licenciado de formas diferentes em estados diferentes.
O projeto permite que, em algumas circunstâncias, os Estados simplifiquem os processos de licenciamento e definam, caso a caso, quais tipos atividades deverão ser enquadradas nos diferentes tipos de licenciamento até que os conselhos nacional e estaduais de meio ambiente estabeleçam critérios para isso. A consequência seria aumento da insegurança jurídica e do número de ações judiciais.