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O ISA e outras organizações da sociedade civil serão parte nas quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei 12.651/2012, que revogou o antigo Código Florestal. As ações foram apresentadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e o PSOL.
Ontem (5/8), o ISA encaminhou ao tribunal uma manifestação conhecida como amici curiae, pela qual passa a integrar o processo e lista argumentos em defesa das ADIs. Também assinam o documento Mater Natura, a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) e a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), que representa mais de 120 organizações de 17 estados.
As quatro entidades ambientalistas também encaminharam ao ministro relator, Luiz Fux, pedido para que as ADIs sejam julgadas com urgência por causa dos impactos negativos da nova lei. Argumentam que ela estimula o desmatamento e impede a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens de nascentes e rios. Segundo os cientistas, a destruição dessa vegetação é responsável pelo agravamento da crise hídrica e energética.
As ADIs pedem a anulação dos dispositivos da nova lei que anistiaram produtores rurais que desmataram ilegalmente APPs e Reservas Legais (RLs) até julho de 2008 (leia mais no box abaixo). Segundo estimativas, a área desmatada que deveria ter sido reflorestada, segundo a antiga legislação, foi reduzida, com a nova lei, de 50 milhões de hectares para 21 milhões de hectares, uma queda de 58% do passivo ambiental dos imóveis rurais no Brasil (leia mais).
O amici curiae traz um amplo levantamento de dados científicos recentes que demonstram a importância para a população e a economia brasileiras dos serviços socioambientais prestados pela vegetação nativa. A pesquisa lembra que as APPs são fundamentais para evitar a erosão e o assoreamento de corpos de água, prevenindo enchentes e inundações, garantindo a quantidade e a qualidade dos mananciais de água e a produtividade agrícola. Conforme vêm alertando vários pesquisadores, as matas de beira de rio deveriam ser ampliadas, e não reduzidas, como fez a nova legislação (leia o amici curiae).
“As ADIs do Código Florestal são as ações judiciais de maior relevância para a pauta ambiental da história, já que impactam diretamente a proteção florestal brasileira”, reforça Maurício Guetta, advogado do ISA responsável pela manifestação. “Há questões nesse processo sobre as quais o STF se pronunciará pela primeira vez, tornando este caso emblemático em termos de evolução da jurisprudência. Por isso, apresentamos agora ao STF a compilação dos estudos jurídicos e técnico-científicos sobre o tema, de modo a municiar os ministros dos elementos necessários para o julgamento”, conclui.
O documentário “A Lei da Água – Novo Código Florestal”, dirigido por André D’Elia e coproduzido por Fernando Meirelles, foi anexado à petição. O filme mostra a importância das florestas para a conservação dos recursos hídricos no Brasil e aponta alguns dos principais impactos da Lei 12.651.
Crise hídrica
A entrada das organizações ambientalistas no processo ocorre depois de o ministro do STF Luiz Fux notificar, no dia 11/6, os governadores dos quatro estados do Sudeste, afetados pela crise hídrica, para que estabeleçam planos e metas de restauração das APPs com parâmetros mais rigorosos do que os definidos pela lei vigente com o objetivo de mitigar e prevenir os problemas causados pela crise. A notificação reconhece a relação direta entre escassez de água e desmatamento e foi provocada por um ofício apresentado pela Frente Parlamentar Ambientalista no âmbito das ADIs com base em um dispositivo da própria Lei 12.651 (veja aqui).
Restam apenas 21% da cobertura florestal nativa na área da bacia hidrográfica e dos mananciais que compõem o Sistema Cantareira, centro da crise no abastecimento de água que assola São Paulo, segundo informações da Fundação SOS Mata Atlântica. Dos cinco mil quilômetros de rios que formam o sistema, apenas 23,5% contam com vegetação nativa em área superior a um hectare em seu entorno. Outros 76,5% estão sem matas ciliares, em áreas alteradas, ocupadas por pastagens, agricultura e silvicultura, entre outros usos.
Na Bacia do Rio Paraíba do Sul, que abarca municípios de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e é uma das principais fontes de água do Sudeste, a situação não é muito diferente, já que somente 26,4% da região contém cobertura vegetal natural. Dos 42,6 mil quilômetros de rios mapeados na bacia, apenas 17,8% têm áreas com cobertura florestal superior a um hectare. Outros 82,2% estão em áreas “alteradas” (saiba mais).
Organizações da sociedade civil, como aquelas que integram a Aliança pela Água, criticam o governo de São Paulo pela falta de transparência no tema e por privilegiar grandes obras bilionárias para combater a crise hídrica, e não ações de proteção e recuperação dos mananciais de água, como seu reflorestamento. Enquanto isso, os principais reservatórios da cidade de São Paulo seguem em nível crítico na comparação com anos anteriores (saiba mais).
Em junho do ano passado, o governo paulista lançou o Programa de Incentivos à Recuperação de Matas Ciliares e à Recomposição de Vegetação nas Bacias Formadoras de Mananciais de Água. A ação teve poucos resultados concretos até agora. Os plantios já realizados são pequenos e pontuais, na avaliação de Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica.
“Houve um avanço que seria mais institucional. Estamos ainda no desafio de vencer a etapa burocrática e dos processos administrativos para iniciar o processo efetivo de restauração florestal”, afirma Ribeiro.
Área de Preservação Permanente (APP)
A Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Segundo a legislação, as APPs estão localizadas às margens de nascentes e corpos de água, no topo de morros e em encostas, entre outros.
Reserva Legal (RL)
A Reserva Legal (RL) é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. Sua extensão varia, na lei, de 20% a 80%, dependendo do bioma onde está o imóvel rural.
O novo Código Florestal
O Código Florestal de 1965, revogado pela Lei nº 12.651/12, obrigava a recomposição total das APPs desmatadas. A nova lei isenta de recomposição as áreas “consolidadas” (em uso agropecuário, em geral desmatadas) até julho de 2008, prevendo a recomposição ou a manutenção de uma faixa significativamente reduzida em relação à APP original, de acordo com o tamanho da propriedade (imóveis menores têm que recompor áreas menores). Com a nova legislação florestal, o tamanho da APP também passa a ser medido a partir do “leito regular” do rio, e não mais em relação ao leito maior (na época de cheia). Somente na Amazônia, essa medida significa a desproteção de cerca de 40 milhões de hectares de várzeas e áreas alagadas.
Em relação à Reserva Legal, o novo Código apresenta duas diferenças significativas principais. A primeira é que o cálculo da RL deve incorporar as áreas de APP. A segunda é que os pequenos imóveis rurais (menores que quatro módulos fiscais) não terão obrigação de recompor o passivo de Reserva Legal gerado até 22 de julho de 2008.
Anexo | Tamanho |
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leia o amici curiae | 2.46 MB |