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MPF entra com ação contra leilão após governo desistir de acordo sobre exploração de “gás de xisto”

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Diretora da Agência Nacional de Petróleo desistiu de negociações depois que acordo já estava assinado. Manobra acabou garantindo realização do leilão, que passou por cima de grupo criado pelo próprio governo
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O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal de Floriano (PI), a 240 km de Teresina, para anular a 12ª rodada de leilão de gás realizada pelo governo federal, na quinta (28/11), na parte referente à extração de gás de folhelho, conhecido como “gás de xisto”.

Na ação, o procurador Antônio Marcos Martins Manvailer pede ainda que não seja realizada mais nenhuma licitação para esse tipo de exploração até que sejam realizados estudos para avaliar os riscos e a viabilidade ambiental da atividade (leia a ação). Um dos blocos vendidos na licitação sobrepõe-se ao território de Floriano.

A ação foi apresentada ainda na quinta, mas depois do final do leilão porque, no dia anterior, a diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Magda Chambriard, voltou atrás, na última hora, da decisão de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPF no Distrito Federal para retirar o gás de folhelho do leilão até que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) regulasse a atividade. O documento também previa que ofertas desse tipo de exploração em novas licitações só seriam feitas depois de realizados estudos ambientais.

Chambriard desautorizou o acordo quando o TAC já estava assinado pelo procurador federal que atua na ANP. A ação de Manvailer estava pronta desde segunda (25/11), mas ele desistiu de apresentá-la naquele dia diante da perspectiva de sucesso nas negociações. A manobra de Chambriard, classificada de “ardilosa” pelo procurador do MPF, acabou garantindo a realização do leilão.

O gás de folhelho é obtido pela técnica conhecida por “fraturamento hidráulico”, pela qual grandes quantidades de água, areia e produtos químicos são injetados sob alta pressão no subsolo para fracionar as rochas onde o gás está contido. O procedimento é bastante questionado pelos riscos de contaminação do ar, do solo e principalmente da água.

A ação do MPF lembra que alguns dos blocos ofertados no leilão estão na região onde está localizado o Aquífero Guarani, um dos mais importantes do Brasil e da América do Sul. O documento menciona, por exemplo, registros de alta contaminação por metano e abalos sísmicos nos locais onde a atividade é realizada ao redor do mundo. Ela já foi proibida na França, na Bulgária, em vários locais da Espanha, Alemanha e no estado norte-americano de Nova Iorque.

Das 72 áreas arrematadas no leilão, 54 estão em regiões onde, segundo a ANP, há potencial para a exploração do gás de folhelho. O governo arrecadou R$ 165,9 milhões no certame, que ofereceu, no total, 240 blocos de exploração. A Petrobrás arrematou 49 blocos. Os blocos que não foram comprados poderão voltar a ser oferecidos em outros leilões.

As maiores disputas foram verificadas nas bacias do Paraná e do Recôncavo. O maior lance, de R$ 15,2 milhões, foi da Petrobrás para um bloco no Recôncavo, onde, junto com as bacias de Sergipe-Alagoas e São Francisco, estima-se que exista o maior potencial para descoberta de gás de folhelho.

Segundo a assessoria do MPF-DF, as negociações com a ANP continuam. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria da agência não confirmou essa informação, nem respondeu se o órgão pretende fechar o acordo ou porque Chambriard voltou atrás na assinatura do TAC. A assessoria informou que a ANP ainda não tomou conhecimento da ação do MPF-PI.

Foi a primeira vez que a possibilidade de exploração de folhelho foi oferecida em um leilão no Brasil. Não existe hoje uma regulamentação para ela. A ANP afirma que já tem um texto pronto para a norma e que resolveu fazer a licitação antes de colocá-la em vigor para estimular pesquisas e projetos-piloto de extração.

Novas ações contra a exploração do gás de xisto podem ser apresentadas nos próximos meses. No dia 21, o MPF-DF instaurou um inquérito civil público sobre o assunto. O procedimento visa reunir informações para subsidiar o trabalho dos procuradores. A partir dele, uma nova ação pode ou não ser apresentada. O MPF já tinha pedido oficialmente à ANP a retirada do leilão da exploração dos “gases não convencionais”, entre eles o “gás de xisto” (veja aqui), com base em um parecer próprio.

Leilão passa por cima de órgãos do próprio governo

Ao incluir o “gás de xisto” no leilão, a ANP passou por cima da orientação de uma instância criada pelo próprio governo federal para fazer uma avaliação ambiental prévia desse tipo de atividade. O Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG) afirma em parecer que “não [tem] elementos suficientes para uma tomada de decisão informada” sobre a exploração do “gás de xisto” e afirma que se fazem necessários debater com a sociedade “os impactos e riscos ambientais envolvidos nessa exploração e avançar na regulamentação e protocolos para a atuação segura” (veja parecer).

A portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) nº 218/2012, que instituiu o GTPEG, afirma que a função do grupo é apoiar tecnicamente a interlocução com o setor de petróleo e gás, em especial, no que se refere a análises ambientais prévias à definição de áreas para outorga. O grupo é formado por representantes do próprio MMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Não foram apresentados pela ANP estudos demonstrando a segurança nas áreas que pretende explorar. A geologia de diversas bacias ainda é desconhecida para a exploração de gás não convencional”, afirma o parecer do GTPEG.

O MPF afirma que, embora a ANP informe que tenha consultado o GTPEG e os órgãos ambientais dos estados onde há blocos de exploração previstos, esses órgãos não emitiram nenhuma avaliação ambiental prévia sobre a viabilidade ambiental da exploração.

Sociedade civil contesta exploração de 'gás de xisto"

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Asibama) enviou à ANP uma notificação e elaborou um diagnóstico sobre o assunto. Ambos contestam a inclusão da exploração de “gás de xisto” no leilão.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciêcias (ABC) também contestam a viabilidade ambiental da exploração do “gás de xisto” (saiba mais). Uma série de outras organizações da sociedade civil e de empresas de saneamento estaduais e municipais também pediu a retirada da exploração do “gás de xisto” da licitação de quinta e uma moratória para esse tipo de atividade no País até que os impactos ambientais e as condições ambientalmente seguras em que ela possa ser executada sejam esclarecidos (veja aqui).

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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