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Um grupo de deputados e senadores está negociando uma alternativa à proposta de criação de uma lei geral do licenciamento ambiental. O principal texto sobre o assunto em tramitação no Congresso, hoje, é o relatório do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) do Projeto de Lei (PL) 3.279/2004. O parecer traz uma série de retrocessos para a proteção ao meio ambiente e pode ser votado no plenário da Câmara, nas próximas semanas.
Entre as possibilidades discutidas pelos parlamentares, estão a apresentação de um novo parecer do senador Sérgio Petecão (PSD-AC) sobre o Projeto de Lei do Senado (PLS) 168/2018, que trata do mesmo assunto e está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa. Também é avaliada a criação de uma comissão mista ou de um grupo de trabalho do Senado e da Câmara com o objetivo de elaborar um texto de consenso. O último relatório apresentado por Petecão é muito parecido com o texto de Kataguiri (leia perguntas e respostas sobre projeto).
“[O senador Petecão] demonstrou interesse de conversar conosco. Vamos entregar uma proposta de mudança do seu relatório, para que possamos diminuir o impacto na política ambiental”, informou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ontem (18), na Câmara, em evento que marcou o reinício dos trabalhos da Frente Parlamentar Ambientalista. “Falamos também com o presidente Davi Alcolumbre, do Senado, e ele se prontificou a mediar uma conversa tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado”, afirmou a senadora.
Além de Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acompanha de perto as conversas. Ele vem negociando diretamente a elaboração do parecer de Kataguiri e, desde o ano passado, afirmou que gostaria de colocar seu texto em votação já no início deste ano. Maia disse algumas vezes, no entanto, que não pautaria o projeto sem consenso. O presidente da Câmara incorporou o tema em sua agenda de desburocratização e estímulo à economia.
O problema é que Kataguiri já tem uma quinta versão de seu substitutivo, mas ela não foi repassada e muito menos discutida com os integrantes do grupo de trabalho criado por Maia, no ano passado, sobre a matéria. Em audiência também no ano passado, o presidente da Câmara prometeu a sete ex-ministros de Meio Ambiente enviar antecipadamente a proposta que seria votada, mas ainda não fez isso. Ontem, os ex-ministros publicaram um artigo na Folha de S.Paulo, criticando o parecer de Kataguiri.
Segundo fontes que acompanham as conversas, na semana passada Maia mostrou-se insatisfeito com o texto mais recente de Kataguiri e deixou claro que não quer arcar com o desgaste de votar uma proposta prejudicial ao meio ambiente neste momento. O presidente Câmara tem se mostrado sensível, em especial, à repercussão internacional negativa das medidas do governo Bolsonaro para desmantelar o arcabouço legal de proteção ambiental.
No final de janeiro, um grupo de organizações ambientalistas, inclusive o ISA, junto com Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Associação de Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa), encaminhou a Maia um ofício solicitando a última versão do texto de Kataguiri e uma audiência para discutir o assunto. O receio da sociedade civil e dos procuradores é que uma proposta desconhecida seja votada de um dia para o outro, sem um debate aprofundado de mérito.
“A flexibilização do licenciamento ambiental que aconteceu em Minas Gerais gerou grandes tragédias e desastres humanos, ambientais e econômicos para os municípios e o Estado. A Vale obteve o licenciamento em Brumadinho sob as novas regras, que facilitaram e atropelaram o processo do licenciamento”, criticou Carolina de Moura, presidente da Associação Comunitária da Jangada, comunidade vizinha ao reservatório da Vale que ruiu em janeiro de 2019.
Ela esteve no mesmo evento, na Câmara, e também entregou um ofício a Maia e Alcolumbre pedindo uma audiência para discutir a situação das vítimas de Brumadinho e a votação da nova lei do licenciamento.
“Não queremos que ninguém mais, no Brasil e no mundo, passe pela dor e o terror que nós, em Minas Gerais, estamos passando com as barragens de rejeitos [de mineração]”, ressaltou Moura. “Votar essa proposta de alteração do licenciamento dessa forma, no nível federal, vai gerar uma série de tragédias, conflitos sociais, insegurança jurídica, desinvestimento”, comentou (veja vídeo abaixo).
Ela contou que, no ano passado, fez uma viagem por sete países da Europa para denunciar o crime de Brumadinho a governantes, parlamentares e investidores. De acordo com a ativista, há uma preocupação muito grande com a crise ambiental no Brasil. “Os investidores estão revendo seus investimentos e querem apoiar projetos seguros, que não violem os direitos humanos”, disse. Ela lembrou ainda que um grupo de investidores conhecido como “Church of England” já suspendeu investimentos na Vale por questões éticas.
No final de 2018, alterações realizadas pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais na legislação estadual do licenciamento permitiram reduzir a classificação do porte poluidor de todo o complexo de mineração Paraopeba, da Vale, que tem uma série de estruturas, inclusive o reservatório de rejeitos da mina do Córrego do Feijão, cujo rompimento provocou a catástrofe em Brumadinho. A medida é apontada como uma das razões do desastre. Se os controles e parâmetros da legislação nacional tornarem-se menos rigorosos, como prevê a proposta em tramitação na Câmara, aumentam os riscos de novos desastres socioambientais.
"A responsabilidade pelas rupturas das barragens de Brumadinho e Mariana reside na conduta irresponsável das empresas em relação à segurança de suas operações e também nos procedimentos permissivos de licenciamento ambiental realizados pelas autoridades competentes", concluiu Carolina de Moura.